sábado, 21 de setembro de 2013

Para se comunicar, é preciso se entender

Onde começa a comunicação?

Engana-se quem imagina que a comunicação começa quando encontramos outra pessoa e iniciamos um diálogo. O sucesso dessa relação que se inicia depende diretamente da parte do processo de comunicação que começa antes, com a interpretação que fazemos das coisas que vemos. Começa com a leitura que fazemos da realidade.

Ao dar início a uma relação ou conversa, trazemos para esta interação todo nosso repertório particular de experiências. Este, por sua vez, se encontra (ou vai de encontro) com o repertório particular de experiências do outro.

Lembrei-me de uma situação que acompanhei tempos atrás e que ilustra bem o que quero dizer. Um consultor foi contratado por uma renomada consultoria de desenvolvimento humano. Sua contratação cumpria uma das metas da empresa para aquele ano, que era trazer para o time um profissional sênior em treinamento. A maioria dos consultores dessa empresa era cria da casa e haviam sido formados por ela. Desta forma, com esta admissão, esperavam ter alguém que trouxesse resultados rapidamente.

Ouviu textualmente de seu líder imediato "queremos que traga toda sua experiência...que contribua com nossa área de gestão do conhecimento". O consultor, então, pôs-se a estudar os materiais de treinamento. Participou de alguns treinamentos internos e acompanhou instrutores em cursos in company. Aprendeu bastante sobre a empresa, fez muitas anotações e, claro, encontrou oportunidades de melhoria.

Logo, começou a participar ministrando alguns temas dentro dos treinamentos. No entanto, quando começou a apresentar suas percepções sobre processos e conteúdos que, em sua opinião, poderiam se tornar mais eficientes, começou a perceber resistência em ser ouvido. Faziam cara feia e diziam que ele não estava se permitindo aprender a metodologia da empresa. O consultor, por sua vez, não entendia muito bem aquela postura por parte de algumas pessoas. Mas, acreditando que o que esperavam dele é que demonstrasse sua experiência, entre um treinamento e outro continuava tentando apresentar suas ideias. Passado algum tempo, ele era visto como resistente por boa parte da empresa e tinha menos espaço para exprimir seus pontos de vista, mesmo nas coisas mais simples. Cansado dessa batalha, ele resolveu dedicar energia somente a melhorar sua performance em sala de aula com os novos temas. Sabia que para ministrar alguns desses conteúdos precisaria da validação do diretor da empresa. Só então poderia assumir, sozinho, turmas de treinamento.

Um dia, foi acompanhado em treinamento pelo tal diretor que, surpreso, o validou e expressou "é isso que esperamos de você". Nesse momento, o consultor compreendeu o que aconteceu desde o início. A consultoria era composta por ex-executivos, profissionais migrados de outros segmentos para a área de desenvolvimento humano. Pessoas com ótima performance em outras atividades, mas que levaram algum tempo para aprender a dar treinamento. Desta forma, ter um excelente desempenho em sala de aula, para eles, era sinônimo de senioridade para realizar o trabalho. Quanto melhor a performance e desenvoltura em sala, mais a pessoa era valorizada na empresa e, maior era sua possibilidade de assumir turmas mais complexas (altos executivos em geral). Para eles, ser sênior em treinamento era isso.

Por outro lado, dentro do repertório de experiências do consultor, que desenvolveu carreira e já atuava há tempos em Recursos Humanos, ter uma boa desenvoltura em sala, é pré requisito para se iniciar o desenvolvimento na área de treinamento. Com exceção daqueles profissionais que atuam em áreas de suporte e logística, os profissionais de treinamento, em geral, começam na área ministrando muitos cursos. Ser bom conduzindo turmas é o mínimo esperado de um multiplicador ou analista júnior, pois estes passam boa parte de seu tempo nesta atividade.

Ao ascender na carreira, um profissional sênior passa a ocupar a maior parte de seu tempo, desenvolvendo atividades fora de sala. Por exemplo, gestão de projetos e desenvolvimento de programas de treinamento mais complexos. Trabalha a melhoria contínua dos programas já existentes, coordena e acompanha o desenvolvimento dos profissionais juniores. Só ministra treinamentos para alta liderança ou para ensinar um novo conteúdo para que outros assumam as turmas.

A mensagem "queremos que você traga toda sua experiência" dita várias vezes e de diferentes formas por seu chefe e por outros, era compreendida pelo consultor como seja o sênior que você tem sido. Ele demorou a entender que esperavam dele um bom desempenho, justamente na atividade para a qual, neste momento da carreira, ele menos dedicava energia. E, cada vez que reforçavam a expectativa que tinham com relação ao seu trabalho, mais ele se esforçava em seguir numa direção contrária a essas expectativas.

A empresa estava errada? Não! E o profissional estava errado? Também não! Estavam falando sobre o mesmo assunto, porém cada qual falando seu idioma.

Quando pessoas decidem conviver é importante que ajustem sua comunicação para que se entendam. Embora pareça algo simples de resolver, no dia-a-dia das empresas não tem se mostrado fácil e pode causar sérios danos à relação profissional.

Neste exemplo, o profissional estava infeliz por querer fazer o melhor e, ao mesmo tempo, não poder fazer o que sabe; além de acreditar ter feito uma escolha errada ao ingressar numa empresa tão "conservadora". Enquanto, a empresa se frustrava com a contratação "errada" que compreendia ter feito.

Para ambos os lados era "óbvio" o significado de ser sênior na área de treinamento e, apesar do consultor investigar com seu líder imediato a expectativa deste com relação ao seu trabalho, a resposta só confirmava o que ele já tinha como certo.

A não compreensão de algo não é, necessariamente, uma característica de quem sabe pouco sobre o assunto. Mas sim, de quem sabe pouco sobre o que se passa na cabeça do outro. É sempre possível que haja algo que você conheça muito e que seja completamente estranho para outra pessoa. Ainda que ela esteja inserida no mesmo contexto que você. É preciso um alinhamento prévio a fim de confirmar se o discurso de um reflete a área de compreensão do outro.

Se você lidera uma equipe, fique atento a sua comunicação. Cuide para não deixar de transmitir informações importantes para que sua equipe entenda o que você deseja. Lembre-se, eles não participam de seus pensamentos. Podem sentir-se constrangidos de continuar questionando o chefe ou, como no exemplo, simplesmente acreditar que compreenderam o que você queria. Como resultado você pode prejudicar um projeto importante e ainda perder bons profissionais.