No final do ano, tomei um ônibus na companhia de minha esposa. Conversávamos animadamente sobre as compras que íamos fazer, quando um som nos chamou atenção. Era a cobradora que, num berro, sinalizou ao motorista, que não poderia dar partida porque ainda havia pessoas desembarcando no ponto. Ao final do desembarque, dirigiu-se ao nada ou para quem lhe desse atenção e disse irritada “parece até que é cego, p...”, referindo-se ao motorista.
Minha esposa, que no início da vida profissional, trabalhou numa cooperativa de transporte, lembrou de uma orientação que ouviu muitas vezes: o cobrador deve ser os olhos do motorista. Fiquei pensando sobre esta fala e naturalmente pensei, será que aquela cobradora tinha conhecimento dessa sua função?
A dinâmica que tenho observado nas empresas me leva a acreditar que situações como esta são bem comuns.
Outro exemplo.
Um amigo atuava como prestador de serviços para uma grande empresa de tecnologia que oferece três níveis de suporte técnico aos computadores de seus clientes, sendo o nível um para problemas de menor complexidade e o nível três para os casos mais difíceis de solucionar. Meu amigo era responsável por fazer o direcionamento do cliente ao atendimento adequado. Certo dia, tentando direcionar um cliente, falou por mais de uma vez com atendentes desses três níveis, sem conseguir que algum atendesse o cliente. Em todas as vezes ouviu o mesmo padrão de resposta: isso não está no meu escopo de atuação, direcione a ligação para o nível X. Terminou por ele próprio resolver o problema que pela complexidade seria responsabilidade do primeiro nível, embora não tenha sido reconhecido pela área.
Não acredito que os atendentes estivessem errados ou mal intencionados, talvez apenas não tenham sido orientados adequadamente sobre suas atribuições.
Baseando-se nesses episódios, convido-os a refletirem comigo sobre a rotina de trabalho em sua empresa.
Há tarefas em sua área que parecem não ter dono (ninguém reconhece como sua)? Desentendimentos entre profissionais em função de atividades que um alega pertencer ao outro e vice versa? Pessoas que afirmam que algumas coisas sobre o trabalho não precisam ser ensinadas, já que todo mundo sabe?
A comunicação, frequentemente negligenciada, é elemento básico para a realização eficiente do trabalho. A urgência por resultados, muitas vezes compromete os processos, fazendo com que etapas importantes sejam esquecidas ou realizadas sem muito rigor.
No início das atividades de um novo contratado é importantíssimo que além de ser treinado para as funções técnicas, ele receba orientação sobre a expectativa da empresa com relação ao seu trabalho. É necessário que a organização, na figura do líder imediato informe qual é a missão da área, relacione todas as tarefas do departamento e, principalmente, quais dessas serão de responsabilidade do novo integrante da equipe. As pessoas só assumem aquilo que compreendem ser de sua alçada. É preciso estressar a informação para que não reste dúvida do que se espera da pessoa. Algumas coisas sobre a rotina são consideradas tão óbvias por quem já conhece o trabalho que frequentemente não são ditas. E, o que é óbvio para um pode não ser para o outro. Logo, sempre é possível haver alguém que ainda não saiba.
Trocando em miúdos, se seu objetivo é garantir a entrega de sua área com o máximo de qualidade, busque ter certeza de que todos sabem o que e como fazer.
Segundo meu amigo, na empresa citada acima, os profissionais de suporte técnico são contratados por sua bagagem e conhecimento e por isso não recebem treinamento ao entrarem – contratam quem tem experiência, acreditando não precisar ensinar. Feito desta forma, fica a critério de cada profissional, interpretar o que é de sua responsabilidade ou não. De um lado, na percepção do cliente, pode parecer um desaforo, o comportamento da cobradora e dos analistas de suporte. De outro lado, na compreensão desses profissionais, parece um abuso esperarem (empresa e clientes) que eles realizem uma tarefa que não é sua. Ao mesmo tempo, há a empresa acreditando que todo o processo está sendo realizado com o máximo de eficiência. E, mesmo não tendo orientado suficientemente seus colaboradores, acredita em seu trabalho e espera que seu cliente esteja sendo muito bem atendido.
Fica aqui minha sugestão aos senhores gestores para que revejam seus fluxos de trabalho a fim de garantirem a eficácia dos processos. E, principalmente, reoriente a equipe para se certificarem de que todos conheçam bem seu trabalho e compreendam sua parcela de responsabilidade pelos desafios da área.
Façam isso pelo sucesso do negócio.