Onde começa a comunicação?
Engana-se quem imagina que a
comunicação começa quando encontramos outra pessoa e iniciamos um diálogo. O
sucesso dessa relação que se inicia depende diretamente da parte do processo de
comunicação que começa antes, com a interpretação que fazemos das coisas que
vemos. Começa com a leitura que fazemos da realidade.
Ao dar início a uma relação ou
conversa, trazemos para esta interação todo nosso repertório particular de
experiências. Este, por sua vez, se encontra (ou vai de encontro) com o
repertório particular de experiências do outro.
Lembrei-me de uma situação que
acompanhei tempos atrás e que ilustra bem o que quero dizer. Um consultor foi
contratado por uma renomada consultoria de desenvolvimento humano. Sua
contratação cumpria uma das metas da empresa para aquele ano, que era trazer
para o time um profissional sênior em treinamento. A maioria dos consultores
dessa empresa era cria da casa e haviam sido formados por ela. Desta forma, com
esta admissão, esperavam ter alguém que trouxesse resultados rapidamente.
Ouviu textualmente de seu líder
imediato "queremos que traga toda sua experiência...que contribua com
nossa área de gestão do conhecimento". O consultor, então, pôs-se a
estudar os materiais de treinamento. Participou de alguns treinamentos internos
e acompanhou instrutores em cursos in
company. Aprendeu bastante sobre a empresa, fez muitas anotações e, claro,
encontrou oportunidades de melhoria.
Logo, começou a participar
ministrando alguns temas dentro dos treinamentos. No entanto, quando começou a
apresentar suas percepções sobre processos e conteúdos que, em sua opinião,
poderiam se tornar mais eficientes, começou a perceber resistência em ser
ouvido. Faziam cara feia e diziam que ele não estava se permitindo aprender a
metodologia da empresa. O consultor, por sua vez, não entendia muito bem aquela
postura por parte de algumas pessoas. Mas, acreditando que o que esperavam dele
é que demonstrasse sua experiência, entre um treinamento e outro continuava
tentando apresentar suas ideias. Passado algum tempo, ele era visto como
resistente por boa parte da empresa e tinha menos espaço para exprimir seus
pontos de vista, mesmo nas coisas mais simples. Cansado dessa batalha, ele
resolveu dedicar energia somente a melhorar sua performance em sala de aula com
os novos temas. Sabia que para ministrar alguns desses conteúdos precisaria da
validação do diretor da empresa. Só então poderia assumir, sozinho, turmas de
treinamento.
Um dia, foi acompanhado em
treinamento pelo tal diretor que, surpreso, o validou e expressou "é isso
que esperamos de você". Nesse momento, o consultor compreendeu o que
aconteceu desde o início. A consultoria era composta por ex-executivos,
profissionais migrados de outros segmentos para a área de desenvolvimento
humano. Pessoas com ótima performance
em outras atividades, mas que levaram algum tempo para aprender a dar
treinamento. Desta forma, ter um excelente desempenho em sala de aula, para
eles, era sinônimo de senioridade para realizar o trabalho. Quanto melhor a
performance e desenvoltura em sala, mais a pessoa era valorizada na empresa e, maior
era sua possibilidade de assumir turmas mais complexas (altos executivos em
geral). Para eles, ser sênior em treinamento era isso.
Por outro lado, dentro do
repertório de experiências do consultor, que desenvolveu carreira e já atuava
há tempos em Recursos Humanos, ter uma boa desenvoltura em sala, é pré
requisito para se iniciar o desenvolvimento na área de treinamento. Com exceção
daqueles profissionais que atuam em áreas de suporte e logística, os
profissionais de treinamento, em geral, começam na área ministrando muitos
cursos. Ser bom conduzindo turmas é o mínimo esperado de um multiplicador ou
analista júnior, pois estes passam boa parte de seu tempo nesta atividade.
Ao ascender na carreira, um
profissional sênior passa a ocupar a maior parte de seu tempo, desenvolvendo atividades
fora de sala. Por exemplo, gestão de projetos e desenvolvimento de programas de
treinamento mais complexos. Trabalha a melhoria
contínua dos programas já existentes, coordena e acompanha o
desenvolvimento dos profissionais juniores. Só ministra treinamentos para alta
liderança ou para ensinar um novo conteúdo para que outros assumam as turmas.
A mensagem "queremos que
você traga toda sua experiência" dita várias vezes e de diferentes formas por
seu chefe e por outros, era compreendida pelo consultor como seja o sênior que
você tem sido. Ele demorou a entender que esperavam dele um bom desempenho,
justamente na atividade para a qual, neste momento da carreira, ele menos
dedicava energia. E, cada vez que reforçavam a expectativa que tinham com
relação ao seu trabalho, mais ele se esforçava em seguir numa direção contrária
a essas expectativas.
A empresa estava errada? Não! E o
profissional estava errado? Também não! Estavam falando sobre o mesmo assunto,
porém cada qual falando seu idioma.
Quando pessoas decidem conviver é
importante que ajustem sua comunicação para que se entendam. Embora pareça algo
simples de resolver, no dia-a-dia das empresas não tem se mostrado fácil e pode
causar sérios danos à relação profissional.
Neste exemplo, o profissional
estava infeliz por querer fazer o melhor e, ao mesmo tempo, não poder fazer o
que sabe; além de acreditar ter feito uma escolha errada ao ingressar numa
empresa tão "conservadora". Enquanto, a empresa se frustrava com a
contratação "errada" que compreendia ter feito.
Para ambos os lados era
"óbvio" o significado de ser sênior na área de treinamento e, apesar
do consultor investigar com seu líder imediato a expectativa deste com relação
ao seu trabalho, a resposta só confirmava o que ele já tinha como certo.
A não compreensão de algo não é,
necessariamente, uma característica de quem sabe pouco sobre o assunto. Mas
sim, de quem sabe pouco sobre o que se passa na cabeça do outro. É sempre
possível que haja algo que você conheça muito e que seja completamente estranho
para outra pessoa. Ainda que ela esteja inserida no mesmo contexto que você. É
preciso um alinhamento prévio a fim de confirmar se o discurso de um reflete a
área de compreensão do outro.
Se você lidera uma equipe, fique atento a sua
comunicação. Cuide para não deixar de transmitir informações importantes para
que sua equipe entenda o que você deseja. Lembre-se, eles não participam de
seus pensamentos. Podem sentir-se constrangidos de continuar questionando o
chefe ou, como no exemplo, simplesmente acreditar que compreenderam o que você
queria. Como resultado você pode prejudicar um projeto importante e ainda perder
bons profissionais.
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